Thursday, October 06, 2011

O quilombo de Julangue

HISTÓRIA

18 Novembro 2005

Cabo Verde teve o seu Quilombo. Chamava-se Julangue e ficava no interior de Santiago. António Correia e Silva recuperou a história desta comunidade no trabalho "Da Contestação social à transgressão cultural: forros e fujões na sociedade escravocrata cabo-verdiana".

O quilombo de Julangue

Julangue, no interior de Santiago, abrigou, durante vários anos, uma comunidade de escravos foragidos aos quais se juntaram muitos forros. Uma descoberta que não teria nada de novo - já que ao longo de todo o período escravocrata houve sempre escravos que fugiram, protegendo-se nas montanhas - se, no caso de Julangue a comunidade não estivesse organizada, resistindo a investidas do poder instituído, como a ocorrida em 1709.

Nessa altura, e ao que indicam os dados que constam do trabalho de António Correia da Silva, "Da contestação social à transgressão cultural: forros e fujões na sociedade escravocrata cabo-verdiana", a comunidade de Julangue já era muito forte.

Como estava a causar tantos problemas aos proprietários e aos que se lançavam pelos caminhos da ilha, o então governador de Cabo Verde, Gonçalo Lemos Mascarenhas, ordenou que se organizasse uma acção militar contra a comunidade, constituída, há já vários anos, no estilo dos quilombos que fizeram história no Brasil e nas colónias das Américas.

De acordo com o trabalho do historiador Correia e Silva, a decisão de se desencadear a referida acção contra Julangue partiu do rei de Portugal. Em carta dirigida ao governador-geral de Cabo Verde, "escrita a 1 de Fevereiro de 1709", conta-se que há "notícia de um ruidoso evento que acontecera no ano anterior". "O Governador, que ao tempo era Gonçalo Lemos de Mascarenhas, havia mandado o capitão Francisco Araújo Veiga, o sargento-mor Belchior Monteiro, o juiz ordinário António de Souza, o capitão de Infantaria, Francisco Soares, acompanhados de mais 400 homens, segundo a correspondência régia, ao sítio do mato chamado Julangue, no centro da ilha de Santiago, para se ’prenderem uns negros forros régulos e levantados’".

Apesar dos enormes meios utilizados, a acção fracassou. Segundo Correia e Silva, "o grupo rebelde não foi capturado e nem sequer mesmo disperso, isso apesar do grande aparato da expedição miliciana. Deve-se mesmo dizer que a tentativa de repressão, longe de inibir o fenómeno de fuga do cativeiro, terá mesmo contribuído para o seu recrudescimento. É o que, pelo menos, parece indicar o testemunho do ouvidor Xavier Lopes Vitella, dado um ano depois da ocorrência do evento em análise." Um ano depois da tentative de captura do grupo, Lopes Vilella calcula que "andavam mais de 600 escravos fugidos a seus senhores nas serras".

A preocupação com o fenómeno, que para uns mais do que a ameaça às propriedades colocava em risco o próprio controle da colónia, e as histórias dos quilombos, que vinham de outras paragens, fez com que as tentativas de desmobilizar o grupo continuassem. Acções que culminaram, "quase uma década" após a acção contra Julangue, com a prisão de um dos líderes do grupo, Domingos Lopes. "O parecer sobre esta prisão é revelador da extrema ansiedade e temor com que a sociedade dominante enfrenta a questão dos escravos fugidos. Afirmam os conselheiros que ’sendo sua a culpa qual se insinua de matar e roubar e condenar à morte inclusive", explica Correia e Silva.

A radicalidade do castigo é, segundo os dados do historiador, " para que por este caminho se dê não só a satisfação à justiça no castigo deste negro, mas se evite a que os mais rompão em maiores ousadias e ponham em grande risco a conservação daqueles moradores, formando-se mocambos delles que não seja fácil conquistarem-se pois mostrou a experiência de Pernambuco o muito que gemerão os povos daquela cappitania com os que ali houve o quanto foi custoso pôr-se limite às suas insolências, havendo millicias pagas compostas de dous terços e tanta gente para o sogeitar o que não há em Cabo Verde..."

Neste trabalho, que traz à tona a existência do quilombo de Julangue, não é apresentada uma data de desmantelamento dessa organização de escravos fujões e forros, algo difícil de precisar, conforme Correia e Silva, já que enquanto houve uma sociedade escravocrata houve estórias de escravos fujões. Mas as pesquisas relativas ao caso de Julangue dão pistas de que esse quilombo teria resistido por mais de 15 anos, uma descoberta que vem aclarar um pouco mais a história da escravatura em Cabo Verde.

Marilene Pereira

Extraído de A Semana

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