Monday, May 28, 2012


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27-5-2012
Du iu spique ingliche?

O título parece uma piada, mas não é. Ilustra o fraco conhecimento do inglês em Cabo Verde. Nos liceus, os alunos não recebem a melhor formação e no ensino superior, os professores têm de começar pelo básico do idioma para que os estudantes consigam algum aproveitamento. Para um arquipélago que se quer abrir ao mundo, a falta de comunicação numa língua cada vez mais universal poderá representar um forte revés no desenvolvimento.
O ensino do inglês no ensino superior é muito complicado. Há desde alunos com seis anos de formação, alunos com dois anos de formação e alunos com nenhuma formação. Em turmas muito grandes, isso faz com que todos os estudantes tenham um diferente nível de inglês e dificulta o seu ensino.
"Acabamos por herdar os problemas que vêm do liceu e da sociedade em geral", sublinha Luís Rodrigues, coordenador do Centro de Línguas da Universidade de Santiago. "Porque em Cabo Verde há pouco acesso ao inglês. Os programas de televisão mais vistos são em português, principalmente as novelas brasileiras. A música que mais se ouve é em crioulo. Portanto, o contacto com o inglês é muito pouco, o que nos dificulta o trabalho".
O docente conta ao Expresso das Ilhas que fez recentemente um exercício muito simples, pediu aos alunos para narrarem a sua primeira aula de inglês e a maior parte deles disseram que estavam com medo.
"Tenho falado com diversas pessoas, que fizeram trabalhos sobre Cabo Verde, e segundo consta, o cabo-verdiano tem muito medo de falhar, de errar. Quando isso se aplica a uma língua estrangeira, esse receio aumenta. Ou seja, os alunos colocam a eles próprios muitos entraves na aprendizagem de uma língua estrangeira".
Neste caso, a estratégia passa por tentar mudar essa mentalidade, mudar a abordagem que os estudantes têm ao inglês, e opta-se por uma abordagem essencialmente comunicativa.
"Os alunos aprendem a escrever, a ler, mas acima de tudo aprendem a saber comunicar perante situações do dia a dia; contacto com turistas, simulações do real, para que os alunos percebam a importância de saber falar inglês. Não é tanto para poderem ir tirar um curso na América, não é esse inglês académico que ensinamos, mas sim para terem uma base que lhes permita comunicar e usar a língua no dia a dia".
Na Universidade de Santiago todos os alunos têm inglês durante os anos do curso, mas só no último semestre é que os alunos têm inglês mais virado para a sua área específica, seja Business English (inglês para negócios), seja Informática, ou Ciências Sociais, tudo porque os estudantes não têm bases que lhes permitam começar logo pelo inglês mais específico.
Alunos chegam
mal preparados às universidades
Sónia Oliveira, professora de inglês também na Universidade de Santiago, reitera que os docentes não podem ensinar o inglês que se espera no nível universitário. "Muitos dos alunos não tem conhecimentos e isso excluiria, logo à partida, metade dos alunos de cada turma. Vou dar um exemplo, no ano passado comecei com alguns exercícios orais sobre apresentações, ou seja, como se diz e pergunta o nome das pessoas, etc., e em nenhuma turma, os alunos conseguiram acertar, havia sempre um erro. Se os alunos não conseguem escrever correctamente essas frases mais simples, como podemos começar com matérias mais complexas?".
As queixas repetem-se na universidade pública cabo-verdiana. Alfred Moreno, coorde-nador de Línguas, Literaturas e Culturas - Estudos Ingleses, salienta que as dificuldades dos alunos no inglês são logo visíveis nas provas de acesso à universidade. "Nos últimos anos temos deparado com um grande problema que é o fraco nível com que os alunos chegam. Se considerarmos os resultados [nos testes de ingresso], vê-se logo que a maior fatia se enquadra entre 10 e 12. Poucos estão acima desse nível. E muitos estão num patamar abaixo, na negativa. Isto é um problema. A formação em inglês não é um espaço onde o aluno vem para aprender a língua, mas sim para ter uma formação específica. Contamos que os alunos venham do liceu com um nível de formação adequado. Mas a maioria não vem com essas capacidades".
As falhas no ensino secundário
O diagnóstico feito pelos docentes universitários é que o inglês não é ensinado no se-cundário da forma mais eficaz. Para Luís Rodrigues, da US, "o ensino do inglês, no liceu, sofre do mesmo mal de muitas disciplinas; formação dos professores e ausência de materiais. Sabemos que têm sido feitos esforços para mudar isso, com a criação do primeiro currículo e do primeiro manual, de facto, adaptados a Cabo Verde, mas já vem com atraso".
A professora Sónia Oliveira reforça que é um inglês muito pouco virado para uma comu-nicação eficaz e efectiva e mais virado para a correcção gramatical. No fundo, o professor coloca no quadro as regras de gramática e espera que o aluno, a partir daí, consiga falar inglês.
"Esta é uma perspectiva datada, antiga, que vem dessa pouca formação dos professores e essencialmente da falta de formação contínua. Como os professores não são obrigados a fazê-la não a fazem".
Luís Rodrigues reitera que têm tido vários contactos para dar formação aos professores, mas são os próprios liceus a dizer que não têm forma de garantir que os docentes par-ticipem.
"É impressionante que não haja essa vontade por parte dos professores, nem um mecanismo que garanta que eles lá estarão". Isto porque se em vários países os professores precisam de ter créditos de formação, ao longo da sua carreira, para poderem progredir, em Cabo Verde isso ainda não foi instituído.
Sónia Oliveira explica ainda que "o grande problema é a forma como se introduz a língua. Há erros que alunos trazem, que são perpetuados na escola, e por mais que nós digamos que não é assim, nos testes lá aparecem sempre os mesmos erros, que eles aprenderam há anos. A introdução na língua é fundamental, é isso que fica".
A falta de motivação dos alunos
Outro problema, apontam, é a motivação dos próprios alunos, que é considerada fundamental para o ensino, em particular de uma língua estrangeira. "Em casa, podem olhar para os apontamentos de biologia ou de história e estudá-los sozinho", explica Luís Rodrigues, "já o inglês, como qualquer língua, é mais difícil. Normalmente, para praticar é preciso outra pessoa, porque não posso chegar a casa, antes do teste, e estar ali a falar comigo próprio. A maior parte dos professores não ensina estratégias para que os alunos possam aprender sozinhos, ou seja, passa-se tudo dentro da sala de aula e isso torna tudo muito artificial".
Alfred Moreno, da UNI-CV, identifica o mesmo constrangimento. "Temos um trabalho de fundo a fazer com os alunos, porque eles não têm cultura de leitura. É pelos trabalhos que marcamos que impomos a leitura que o aluno deve fazer. Mas, se não fizermos assim, deparamos com alunos que têm sempre um pé atrás no acesso às obras".
Um dos instrumentos, considerado fundamental, para aumentar a autonomia dos alunos será o futuro laboratório de línguas da UNI-CV que deve entrar em funcionamento no próximo ano lectivo. "Os nossos professores dizem que sem ele o curso fica coxo. O laboratório de língua irá ajudar o aluno a ultrapassar certas barreiras em relação à língua, porque faz com que trabalhe a pronuncia e aprenda novas palavras. Sem esse laboratório, o aluno resume-se ao que recebe na sala de aula, dos professores. No laboratório, o aluno tem de aprender a trabalhar sozinho. Isso é fundamental, porque nós trabalhamos com os alunos dentro da sala de aula e depois disso o aluno não tem essa prática da autonomia".
A informação
que se perde
Como consequência destas limitações, há todo um manancial de informação e de formação do qual os alunos cabo-verdianos ficam afastados. "As pessoas vão à Internet e não sentem necessidade de ir aos sites em inglês", diz Luís Rodrigues. "Muitas vezes, o mundo que os nossos alunos conhecem é o mundo que eles vêem.
Ao ensinar inglês tentamos também mostrar esse outro mundo, a realidade britânica, a realidade americana, mas os nossos alunos não estão tão interessados".
"Há pouca vontade, por parte dos professores e das autoridades, para abrir os horizontes e o inglês é fundamental nisso, não só por causa da língua mas de toda uma cultura que se aprende. Quando se fala no acesso à Internet, sabemos que cerca de 50 por cento dos conteúdos estão em inglês, portanto quem não domina o inglês perde acesso a metade de todo o conhecimento que existe no mundo virtual e não haver essa preocupação, para mim, é muito estranho".
A título de exemplo, as maiores universidades norte-americanas, incluindo as mais tra-dicionalistas como Harvard e o MIT, estão a investir mais de 60 milhões de dólares para oferecerem cursos online, sem custos para os participantes. Aquele que já é conhecido como ‘Campus Tsunami', nas palavras de David Brooks, no New York Times, vai proporcionar aulas pela Internet, com os melhores professores de cada instituição, que no final darão direito a um certificado, em vez de um diploma.
Todo este conhecimento, gratuito, ficará longe dos estudantes cabo-verdianos. "É um desperdício", salienta Alfred Moreno, da UNI-CV, "porque a língua é, de facto, uma barreira".
Da mesma forma, o acesso a obras literárias e científicas está vedado aos alunos cabo-verdianos. Os docentes nem sequer tentam dar livros em inglês aos estudantes. "Era dar um tiro no pé", afirma Sónia Oliveira, "os nossos alunos não têm ginástica suficiente para chegar lá".
"Além que não temos essas obras literárias em Cabo Verde", completa Luís Rodrigues,"seria possível, mas não é a nossa prioridade. Até porque é um material muito dispendioso. Vamos agora abrir um curso de Português/Inglês e aí sim, já haverá introdução aos estudos literários e culturais, literatura de expressão inglesa, literatura africana de expressão inglesa. Mas serão alunos com um perfil, que se espera, mais elevado".
Sem esse acesso a manuais em língua inglesa, sobram ad bibliografias em espanhol ou em português. Os professores não passam bibliografia em inglês porque os próprios docentes não têm conhecimentos suficientes que lhes permita usar livros ingleses. "Isso é um empecilho para todo o ensino universitário em Cabo Verde. Há muita informação que fica de fora", sustenta Luís Rodrigues.
O futuro do ensino
do inglês
O futuro passará por ir ter com os professores e dar-lhes formação. Quanto aos alunos, para já a abordagem continuará, ou seja, usar o inglês como um auxílio à comunicação. A médio prazo, tem de pensar-se na forma de abrir Cabo Verde ao mundo através do conhecimento do inglês.
"Acredito que há esse esforço para ir nessa direcção", adianta Alfred Moreno. "A política da língua em Cabo Verde é aberta. Há dinâmica entre o país e a cooperação francesa, entre o país e a cooperação norte-americana. Temos apoios em termos peda-gógicos, para as universidades e os liceus, ou seja, há forma de dar esse salto na língua. Porque sabemos que é fundamental usar o inglês para a comunicação internacional.
Queremos atingir esse patamar em que os profissionais cabo-verdianos possam ir a workshops ou as conferências internacionais sem precisarem de usar o serviço de tradução. Por outras palavras, que tenham uma interacção directa de ouvir e falar em inglês, esse é o nosso objectivo. E acredito que possamos alcançar esse patamar", conclui o docente.

27-5-2012, 13:33:13
Jorge Montezinho, Redacção Praia

Publicado por Expresso das Ilhas

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